terça-feira, junho 16, 2009

antropofágicas

® Theodore de Bry, 1540

Estamos no ano 455 da deglutição do bispo Sardinha, e ainda temos muito que involuir até chegarmos ao estágio em que os conflitos mudarão a mentalidade messiânica colonizada da nossa corte caraíba. A secretaria de educação do município do Rio, ao invés de resolver as diversas pendências que tem para remediar o estado caótico da educação dos nossos curumins, resolve fazer eco ao conservadorismo paulista e encontra algo para censurar aqui também nos textos didáticos. E escolheu essa gravura aí de cima. Pelo que entendi, foi a mídia, e o jornal O Dia em particular, que fez sensacionalismo a partir da reação de uma mãe indignada. As mães indignadas são sempre uma força a não menosprezar. Elas temem a potência mimética dos seus filhos, e é normal que, impotentes para conter o avanço das tropas de elite e da cretinização geral do planeta, tentem ao menos evitar que eles tenham a infeliz idéia de imitar esta "chocante" cena tupinambá! Ao que eu responderia o seguinte: cara Hirlene, prezadas mães, não pensem que faço pouco caso do zelo materno. O problema é que, se seus filhos de 9 anos não têm discernimento para não imitar a cena da gravura, não será poupando-os de sua exibição que vocês conseguirão evitar que eles façam experiências semelhantes! Muito pelo contrário, eu diria. Mais ainda, levem em consideração a hipótese de que o "horror" perante a gravura tem pouco a ver com seus filhos, mas tem antes muito a ver com vocês mesmas, com a condição das mulheres e mães católicas apostólicas romanas desse nosso patriarcado violento e machista. Afinal, o que aquelas índias estão fazendo? Por que elas estão enfiando um bastão no cú do índio e cortando suas costas? Não foi das costelas de Adão que Deus fez a mulher? Trata-se apenas de uma imagem excessivamente grotesca para ilustrar a antropofagia tupi? Ou de uma imagem cuja simbologia abala uma série de ilusões necessárias, sobre nossa natureza civilizada, a docilidade e subordinação da mulher, etc...? De todo modo, é preciso resistir a essa onda conservadora! Senão, em breve, os textos didáticos das crianças só terão personagens da Disney como ilustração!

4 comentários:

ANANDA disse...

Faço minhas as suas palavras! (que fácil...)

Mas também concordo com o conteúdo do texto :)

Empresas e instituições vem perdendo para o medo de serem criticados, processados, boicotados ao ponto de abrirem mão do que é correto, razoável e neste caso, parte da história humana e do Brasil.

Com que direito uma mãe se impõe sobre o acesso ao conhecimento dos filhos que não são dela!? Onde isso vai parar? Não tem o Brasil problemas suficientes para serem discutidos?

Esta senhora deveria perceber que o filho dela está no mundo (como está a minha filha) e no mundo existem canibais até hoje. A diferença está no ritual, hoje praticado em fábricas, fazendas e grandes cidades...

ANANDA disse...

P.S.: voltei ao blog e percebi/lembrei que li o texto em um dia e fiz o comentário no outro.

Foi interessante verificar que comentei/reclamei do que me ficou na cabeça: a mãe indignada. Sim, elas não podem ser menosprezadas.

Aqui, a opinião pública, via tablóides ou por conta deles (ovo e galinha na minha percepção) move montanhas também.

E as mães inglesas me tiram do sério mais seguido do que gosto de admitir...

Escreve mais! Contrabalance os conservadores emergentes com seu belo estilo.

soraya.magalhaes@gmail.com disse...

junte mães 'zelosas' e professoras primárias e verás que mundo do futuro nos espera.
Ai Gezuis...
chame ladrão, chame índio, chame analfabeto, chame criança órfã que deles é o reino dos céus.

Marcelo Senna disse...

quem quer proibir uma imagem não pode olhá-la sem sentir-se muito compelido a imitá-la? as imagens históricas são obscenas, ultrajantes, ofensivas, indecentes, pornográficas?
as crianças são inocentes a quem não se deve mostrar os aspectos não-inocentes da realidade? ó mães, sejam felizes, ó onda conservadora, transmute o medo em esperança, seja alegria.
belo texto filipe!