domingo, junho 21, 2009

antropofágicas II




Fiz uma pequena, mas necessária correção na mensagem anterior: os tupinambás não eram canibais. Na acepção restrita do termo, canibal é quem come carne humana para se alimentar, mas os tupinambás apenas comiam seus inimigos "por vingança", para absorver sua força e coragem, portanto apenas daqueles nobres e corajosos. Um prisioneiro que não se comportasse com coragem e bravura tornava-se imediatamente descartado, assim como miserável — o que lembra, guardada as distâncias, a areté grega, ou aquilo que dela exemplifica o dilema de Aquiles: 

Pés-de-prata, a deusa Tétis, madre,
me avisou: um destino dúplice fadou-me
à morte como termo. Fico e luto em Tróia:
não haverá retorno para mim, só Glória
eterna; volto ao lar, à cara terra pátria:
perco essa glória excelsa...
(Ilíada, trad. de Trajano Vieira)

Para quem se interessa pelo assunto, aconselho a leitura de um curto texto de Manuela Carneiro da Cunha, "Imagens de índios do Brasil: o século XVI" (in PIZARRO, Ana [org]. América Latina. Palavra, literatura e cultura. Vol.I, São Paulo: Memorial / Campinas: Unicamp, 1993). Como diz Manuela, a diferença foi fundamental para a exaltação do índio brasileiro, antes das duas palavras tornarem-se sinônimas ("segundo Michèle Duchet [...], a sinonímia entre canibais e antropófagos vulgariza-se a partir de Montaigne. Mesmo depois de assimiladas as duas palavras, porém, a diferença que encerravam permanece, com a mesma conotação moral"). Os responsáveis pelo jornal O Dia seriam certamente descartados, indignos de servirem ao banquete antropofágico. A matéria deles, falando de "tortura", é de uma estupidez tamanha (e a Folha de São Paulo, quem diria, que também noticiou o fato, falou em empalhamento!). E que se dê os devidos créditos à famosa gravura. Segundo Manuela, as gravuras de Theodor De Bry foram feitas para ilustrar a edição de 1592 da terceira parte da Coleção de Grandes Viagens, reunindo os livros de Hans Staden (Duas viagens ao Brasil, de 1557) e de Jean de Léry (Viagem à terra do Brasil, de 1578).

Nenhum comentário: