"Assisti o desnudamento do homem como da mulher no nosso século. Esta coitada, até a minha adolescência, esmagava o corpo entre espartilhos e barbatanas de cintas ferozes. Era preciso tirar dela os últimos traços do natural. Nada de canelas à mostra, nem braços, nem começos saltitantes de seios. Tudo isso era o arsenal do demônio que atravancava o nosso celestial destino. Esmagada em seu espírito, como em sua carne, espirrava dela uma mitra de cabelos muitas vezes postiços sobre os rostos lívidos que ignoravam o baton e o rouge. Isso fazia a mola do desrecalque das noites de núpcias, de onde muitas vezes as recém-casadas saíam de maca, furadas de todos os lados pela potência pratiarcal em desespero.
O bordel passou a ser um ideal para a mocidade de meu tempo. Das pensões, escapando à tirania das caftinas, saíram inúmeras senhoras da alta sociedade, pois as profissionais do amor sabiam prender muito mais os homens do que as sisudas sinhãs da reza e da tradição.
Casadas, as mulheres transbordavam de gordura em largas matinês, o que fazia os maridos, saudosos de carne muscular e limpa, voltarem aos bordéis. Uma vida de simulação ignóbil, abençoada e retida por padres e confessores, recobria o tumulto das reivindicações naturais que não raro estalavam em dramas crus. Um pai matava a filha por que esta amara um homem fora de sua condição.
Foi Isadora Duncan quem com seus pés nus pisou pela primeira vez a terra que, atrás de seu exemplo, se desnudaria.
O esporte contribui imenso para liquidar com os homens de bigodeira e punhos postiços e as mulheres lacradas, vespas cloróticas que muitas vezes se recusavam dramaticamente a dormir com os maridos, pois não sabiam do que se tratava.
Ser bem educado era fugir da vida. As mulheres não podiam sequer revelar a sexualidade natural que todas têm. Eram logo putas."
(Oswald de Andrade, Um Homem Sem Profissão, sob as ordens da mamãe)
segunda-feira, outubro 18, 2010
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